Geórgia, país caucasiano

No dia 13 de junho de 2015, a Geórgia foi notícia no mundo todo. Houve uma inundação no zoológico de Tblisi, a capital do país, e vários animais fugiram, dentre os quais tigres, ursos, lobos e hipopótamos. Alguns foram mortos, outros recapturados e correu mundo a imagem de um hipopótamo sendo reconduzido ao zoológico, após ter sido entorpecido por dardos tranquilizantes. No “Fantástico” do dia seguinte saiu a reportagem da fuga dos animais, mas, na hora, nem me dei conta de que se tratava do país que iria visitar daí a três dias. Pela chamada, achei que se tratasse da Geórgia, o estado norte-americano, imortalizado por Ray Charles no clássico “Georgia on my mind”. Afinal, nunca tinha lido nada sobre a Geórgia, um pequeno país do Cáucaso, lá onde a Europa termina e a Ásia começa. Muito menos me lembrava de qualquer notícia sobre esse país, uma das antigas repúblicas socialistas soviéticas e que tinha conseguido sua independência, recentemente, em 1991.

Chegamos a Tblisi no dia 2 de junho de madrugada, uma semana após o desastre do zoológico e ninguém mais falava no assunto, nem mesmo eles. No hotel em que nos hospedamos, um belo hotel design, jovens da Letônia e de Israel também estavam hospedados e ainda bebiam no saguão, quando chegamos, ao amanhecer do dia. Sem qualquer burocracia, exigência de visto ou fila, entramos tranquilamente no país, após uma longa viagem de mais de vinte e quatro horas de voo. Saímos de Vitória para o Rio e de lá para Lisboa, via Paris. Dormimos uma noite em Lisboa e, no dia seguinte, nos integramos a um grupo de portugueses para fazer o programa “O melhor do Cáucaso”. Saímos de Lisboa para Tblisi, com escala em Istambul, onde encontramos aquela que seria a acompanhante do grupo em todo o percurso, uma húngara chamada Verônica, falante de um português com carregado sotaque lusitano e acento magiar. Em Tblisi, já nos esperava Tamara, nossa guia, excelente profissional e que iria nos apresentar, em extensos dois dias, um pouco da história de seu país milenar, de sua cultura e os principais pontos de interesse de Tblisi e de alguns arredores por nós visitados.

A primeira impressão que se tem da Geórgia é a de um país tranquilo, com uma gente que já passou por tantas lutas para existir, que nada mais a surpreende. Povo bonito, sério, com afotos cáucaso 068s mulheres vestidas de preto, preferencialmente, que pouco sorri, mas gentil com os turistas que começam a chegar. Parece o povo italiano do interior. Têm como patrono São Jorge e foram cristianizados desde o século IV. Mtsheta, antiga capital e patrimônio da humanidade tombada pela Unesco, está a poucos quilômetros de Tblisi e é o centro da peregrinação dos cristão ortodoxos da Geórgia, para conhecer a catedral de Svetiskhaveli, em português,“o pilar da vida” e onde se supõe enterrada a túnica de Cristo. As antigas igrejas medievais tornaram-se famosas e grandiosas pelas famas de suas relíquias. Era uma forma de ter sempre mais visitantes e de crescer com suas doações.

Também visitamos Gori, terra natal de Stalin, o ditador sanguinário e que mandou construir um imponente museu em sua cidade natal, para celebrar-lhe a memória. Os georgianos, sempre temerosos dos russos, conservam-no para mostrar aos turistas, mas é visível o mal-estar que sentem por cultuar a memória de um de seus nacionais e que se tornou o líder máximo de um povo que sempre os subjugou. Ainda hoje, têm duas regiões ocupadas por eles: a Ossétia do Sul e a Abcássia. Uma visita ao Museu Nacional da História do país é imperdível para conhecer a história desse país milenar e de sua sobrevivência. Bela surpresa a Geórgia, esse país que passou a ser visitado por quem já andou por “Ceca e Meca” e ainda não sossegou.

Palmira, a rainha do deserto

É difícil imaginar que, há quase 2000 anos, tenha existido uma civilização, o reino de Palmira, entre os dois maiores impérios da época, o persa e o romano, num lugar como esse, no meio do deserto, e, por algum tempo, os tenha desafiado em pé de igualdade! Pois é, isso aconteceu entre o século I e II d. C, e, de 167 a 171, uma rainha, Zenóbia, tornou-se a mulher reinante mais famosa de sua época, cuja fama perdura até os nossos dias como a de outras não menos importantes como a rainha de Sabá, a faraona Hatshepsut, Cleópatra, Catarina de Médicis, Isabel de Castela, Elizabeth I e tantas outras.

Palmira é um oásis, no caminho da antiga rota da seda e das caravanas que ligava o oriente ao ocidente, daí sua riqueza, no passado. Hoje, nos confins da Síria, a 150 km da fronteira com o Iraque, guarda a memória daqueles tempos nas ruínas de sua cidade, com ruas, templos, tumbas e monumentos. Milhares de turistas do mundo todo lá acorrem para visitar o que restou do antigo reino de Palmira, fundado por selêucidas, descendentes de Alexandre Magno, da Macedônia.

Hoje, patrimônio da humanidade, Palmira continua um oásis de paz entre as guerras contemporâneas. Após sua destruição por terremotos, por invasores e por seus últimos conquistadores, árabes, turcos otomanos e ingleses, as ruínas de Palmira são um lugar mágico, seja refletidas pelos holofotes ou pela lua cheia, seja pelos reflexos do sol que a tudo incendeiam. Dizem que, no passado, o templo de Júpiter era coberto de bronze e, de longe, as caravanas se impressionavam com o seu brilho ao sol, ofuscando-se ao poder de Palmira. Hoje, no lugar do bronze, retirados para a fabricação de armas, ficaram buracos onde os pássaros que ali sobrevivem fazem seus ninhos, recriando a vida.

Palmira não é só um lugar de visita; é, sobretudo, uma pausa para reflexão. De um lado, judeus e palestinos, filhos do mesmo pai, se matam, irracionalmente, pois não podem dividir o mesmo chão; do outro, turcos e curdos não se reconhecem no mesmo território; muito perto dali, xiitas e sunitas, invadidos por norte-americanos, ameaçam a paz mundial. Os homens se esquecem de que a vida é breve, para viver em guerra; só a arte é longa. Por causa de toda a barbárie e de tantas guerras, e, apesar de tanto poder no passado, pouco restou dos grandes impérios. Sobraram, apenas, ruínas, colunas, fragmentos de mosaicos, restos de arte como testemunha de um tempo, que já se foi, como também se foram os grandes reinos destruídos pela soberba, o maior dos pecados humanos, e que destrói a todos dominados por ela, inexoravelmente.

(Esta crônica foi escrita em 2010, quando estive em Palmira. Republico-a, em homenagem a sua reconquista pelos sírios, após ter sido retomada do Exército Islâmico, há poucos dias).

Meteora, entre o céu e a terra.

Sempre gostei de visitar lugares místicos ou sagrados, onde o ser humano busca uma explicação além da científica ou material para sua existência ou, pelo menos, pessoas se reúnem para cultuar crenças religiosas ou espirituais em comum. Sei, pela Bíblia, que qualquer lugar pode ser um encontro com Deus, pois “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, Eu estarei entre eles”. (Mateus, 18: 20). No entanto, subir ao Convento da Penha junto de pessoas que comungam a mesma crença é uma emoção toda especial, da mesma maneira que nunca esquecerei a noite em que visitei o santuário de Lourdes, nos Pirineus franceses, há vinte e sete anos. A primeira vez que fui a Fátima e me emocionei, pois sentia fortemente a presença de meu pai, filho de portugueses, que me transmitiu a crença religiosa que possuo, ali junto comigo. Ou, ainda, quando subi por trás do altar de São Tiago, em Compostela, e senti que eu era somente mais um peregrino a percorrer o caminho que tantos fizeram, em busca de uma verdade, que não existia aqui ou ali, mas se encontrava no caminho. Visitei muitos outros lugares místicos, de diferentes religiões e crenças, desde que pus os pés fora do meu país, há quarenta anos: templos maias, incas e astecas; monólitos druidas; pagodes orientais; cidades inteiras cultuadas por diferentes religiões e crenças como Jerusalém, Benares, Macchu Picchu, Olímpia, Luxor, Angkor Wat, Borobodur, Khajuraho e tantos outros locais hoje visitados por milhares de turistas, cada qual com suas belezas e diferenças, mas a sensação única de que aquele é um lugar especial, eleito pela humanidade para cultuar uma força superior, um princípio criador de tudo e para nos ensinar a humildade de reconhecer que somos ínfimos diante da grandeza do universo.

Pela quinta vez, retorno à Grécia e, pela primeira vez, pude visitar Meteora, um desejo que tinha desde a primeira vez que fui a Atenas. No entanto, há tanto que visitar pelos arredores de Atenas, suas ilhas mais famosas, as ruínas de Corinto, Delfos, Epidauro, que Meteora, como fosse mais distante, foi ficando para trás. Enfim, chegou a hora, juntei os tostões antes da meteórica desvalorização do Real, pobres de nós! e me dei de presente de aniversário de sessenta anos uma viagem a Meteora. E valeu a pena ter esperado tanto tempo! Saímos de Volos, um porto comercial entre os montes Pélion e Olimpo, atravessamos as planícies antes férteis da Tessália, hoje áridas e abandonadas, em direção a Kalabaka, onde se situa Meteora. São duzentos quilômetros de estrada, passando próximo a Larissa, e pelo caminho se pode perceber a real crise grega, que não se vê em Atenas: campos abandonados, máquinas agrícolas e estufas sucateadas, aridez, desertificação. Chegando a Kalabaka, o deslumbramento: um bosque de rochas, com cerca de seiscentos metros de altura, onde os monges medievais ortodoxos fizeram cavernas e, mais tarde, mosteiros, na crença de se isolarem para ficarem mais perto de Deus. Antes, eram vinte e quatro; hoje, são apenas cinco, que podem ser visitados, lugares de culto e peregrinação de milhares de católicos ortodoxos e turistas que vêm de todas as partes do mundo para conhecer esse patrimônio histórico e cultural da humanidade. Visitamos o mosteiro da Transfiguração, o maior deles, onde tivemos uma aula magistral com a guia Natasha e o de Santo Estêvão, o único onde vivem monjas. Após as visitas, lauto almoço no Panorama, restaurante onde se come também com os olhos. Meteora significa “suspensa no ar” e é o que sentimos após visitá-la.

Aniversário em Atenas

Resolvi comemorar meu aniversário de sessenta anos em Atenas, por ser uma cidade que me encanta, berço da filosofia, da literatura e da academia tal qual à que pertenço, em nosso estado. Queria, também, ver como era a crise grega em comparação com a nossa. Afinal, a palavra crise vem do grego “krisis”, do vocabulário médico, e significa o estado das situações e ações quando em mudanças, sendo essas para melhores ou piores; ou seja, estar em crise é quando as coisas estão mudando, não estão como antes e, com o passar do tempo, se saberá se mudou para melhor ou para pior. Crise, portanto, é momento de passagem, significa ruptura, término, separação de um estágio anterior para outro desconhecido. Voltar a Atenas, onde já estive em outras ocasiões, era confrontar situações já vividas, tanto as minhas, já que saio da maturidade para a velhice, quanto as do país onde vivo e as do que escolhi para visitar.

Já no voo de ida, leio nos jornais que o parlamento alemão aprovara o empréstimo feito ao governo grego e, na chegada a Atenas, na praça Sintagma (que significa “Constituição”), coração e alma da cidade, onde está a bela construção do Parlamento, vejo uma multidão concentrada, silenciosa, ouvindo a renúncia do Primeiro Ministro grego. Meu hotel era perto dali; saltei do ônibus que me conduzia desde o aeroporto por módicos cinco euros e saí arrastando a mala em meio à multidão atenta e silenciosa. Nenhuma manifestação de aplauso ou de rejeição. Os gregos sabem, por experiência milenar, que tudo passa e que nenhum governo, popular ou não, socialista ou conservador, é para sempre. Acabado o pronunciamento, voltam todos para as suas rotinas, como se nada tivesse acontecido.

À noite, saio para caminhar até a Plaka, bairro aos pés da Acrópole, majestosamente iluminada. Tudo é tranquilo, nenhuma sensação de insegurança, bares e restaurantes lotados de turistas, músicos tocando pelas ruas milenárias, comida boa e razoavelmente barata e uma lua majestosa no céu. A lua cheia tornava ainda mais nítidos os monumentos de tantas eras, cujas ruínas ainda permanecem para recordar a grandiosidade do passado daquele povo e daquela cidade. Atenas é única, no mundo, como Roma ou Istambul. Na manhã seguinte, caminho pela antiga Ágora romana, mas nada vejo da crise grega. Centenas de lojas vendem lembranças aos turistas. Gente do mundo todo sobe e desce ruas milenares, onde caminharam filósofos, apóstolos, soldados, marinheiros, comerciantes, mendigos. Todos estão ainda ali, nesse lugar mítico, simbólico, de tantos credos e de tanta história. O sol é para todos, inclemente, neste final de verão europeu, mas os japoneses, sábios, são os únicos a se protegerem com sombrinhas antitérmicas e totalmente cobertos como se estivessem no inverno de Nagoia.

Para nós, os incautos, há os bonés com a bandeira grega, e as camisetas para levarmos de souvenires, onde está escrito: “Greek crisis: no job, no food, no problem”. Afinal, foram eles que nos legaram, também, a palavra “estoicismo”, filosofia caracterizada pela aceitação resignada do destino. Mais ou menos como o “Diante do inevitável, relaxa e goza”, da filósofa ex-ministra  ex-petista tupiniquim. No dia seguinte, concedo-me um presente de aniversário que há muito almejava: uma visita a Meteora, ao norte da Grécia, quase divisa com a Macedônia, para visitar os mosteiros medievais construídos por eremitas, na Idade Média. Um deslumbramento! Como não há mais espaço nesta crônica, convido o leitor a visitar o Google para ver um pouco do que vi, vivi e senti nesse lugar místico e sagrado da encantadora Grécia.

Notícias do velho mundo por um Torna-viagem

Antigamente, quando a comunicação era precária e não havia Internet, celular, tevê e o rádio se iniciava, havia a figura do Torna-viagem, alguém que chegava do estrangeiro e trazia notícias e pequenas encomendas para os que ficavam. Geralmente, era um padre, pastor ou parente, que ia à Europa e de lá trazia notícias do velho mundo para os imigrantes do novo. Retomo esse personagem para lhes contar um pouco do que vi, embora corra o risco de ser redundante, se o que narrar não for novidade para ninguém.

Primeiro, os grandes problemas do oeste europeu, hoje, são a imigração e o desemprego. Itália, Espanha, França, Alemanha, Inglaterra não sabem mais o que fazer para conter a onda imigratória vinda da África, América e dos países do Leste Europeu. A eles atribuem todos os males que sofrem, hoje, como a violência urbana, poluição, mendicância, insegurança. No entanto, precisam da mão de obra desses imigrantes, pois a população envelheceu e eles não têm gente para fazer o serviço essencial e pesado. Os políticos direitistas ganharam as eleições recentes prometendo expulsar os imigrantes, mas como o farão, eis o problema.

Na Espanha, milhares de pessoas protestaram, na ocasião da Feira de S. Firmino, que abre a temporada de touradas, contra essa tradição secular. Disseram os manifestantes que doze mil touros são mortos por ano, no que não consideram “arte nem cultura, mas tortura”. Os catalães são contra as touradas, e eu, também. Que vivam os touros!

Em Hamburgo, na Alemanha, deve existir mais área verde que em todo o Espírito Santo. Apesar de ser uma das cidades mais industrializadas da Europa e de ter um porto super movimentado, não há poluição, em terra, ar ou água. No rio que banha a cidade, podem-se ver cisnes e outras aves, nadando solenemente. Por ser uma cidade de tradição portuária, é grande a exploração do erotismo e da sexualidade, em todas as suas formas possíveis e imagináveis. Há um bairro todo dedicado a esse comércio, atração turística, chamado Sant Pauli, maior que o Pigalle, de Paris, ou o Bairro Vermelho, de Amsterdam.

Estocolmo é a capital mundial do design. Não, não é Nova York, brothers. Basta ir ao Museu Nacional para ver como os suecos eram adiantados na criação de objetos de uso diário e de decoração, desde o século XVIII.O design de mesas e cadeiras, de utensílios domésticos, tão comuns nos dias atuais, surgiu da cabeça de um sueco, esse descendente dos vikings, povo de bem com a vida, em todos os sentidos.

Na Finlândia, não existe mais telefone público nem cabine telefônica. Orelhão, pra eles, é pré-histórico. Como todos os finlandeses têm celular e computador, os turistas que se danem. Para ligar de lá, só se levar um celular. Passam seis meses do ano dentro de casa, por causa do frio, e na primavera-verão, saem todos para ouvir música, tomar sol, caminhar pelos parques, fazer piquenique, aproveitando ao máximo o longo dia de quase 22h.

Na Rússia, acabou o comunismo, mas a burocracia é ainda soviética. A livre iniciativa é incipiente e o povo parece macambúzio, melancólico, de difícil sorriso. São Petersburgo está linda, com suas noites brancas, em que o sol se põe à meia-noite e volta três horas depois, toda restaurada, cheia de gente e a vida noturna é muito agitada. As luzes da cidade refletidas no formoso rio Nava tornam a cidade dos czares uma das mais belas da Europa.