Austrália e Nova Zelândia

Enfim consigo realizar a viagem sonhada há tanto tempo: Austrália e Nova Zelândia. Há muitas dificuldades para nós, brasileiros, chegarmos lá. Primeiro, a distância. São países do outro lado do planeta e uma viagem até lá leva mais de vinte e quatro horas, se contarmos o tempo de escalas, esperas em aeroportos e conexões. Nossa maratona começou em Vitória até Guarulhos, São Paulo. De lá, fomos para Buenos Aires, visto que tinha comprado o bilhete mais barato pela Aerolineas Argentinas. De Buenos Aires, pegamos um voo para Sydney, com escala em Auckland, na Nova Zelândia. O primeiro trecho leva quatorze horas de voo e o segundo, duas. Portanto, são dezesseis horas voando, em seguida, sem contar os trechos já voados de Vitória a Buenos Aires. É muito tempo, sem contar o desconforto do avião, na classe econômica, o mau serviço da companhia escolhida e as horas intermináveis de voo. Para nosso azar, havia várias crianças a bordo e uma delas, um garoto oriental, de uns três anos, chorou a viagem toda, sem que os pais fizessem nada. O pai pegou a criança mais nova, de colo, e foi procurar um assento vago lá atrás, longe do manhoso; a mãe dormia, placidamente, com a paciência dos orientais. Na escala em Auckland, o menino brincava, como se não tivesse incomodado ninguém durante quatorze horas, ou seja, chorava pelo mesmo motivo por que estávamos incomodados: o longo voo e a vontade de sair daquela tortura. Só dormiu nas duas horas finais, quando ninguém conseguiu mais.

A chegada a Sydney foi tranquila; como já tínhamos visto de turista, nenhuma pergunta foi feita, nenhum aborrecimento. A dificuldade foi só entender o inglês australiano, o que começou com o taxista; dali pra frente percebi que a comunicação não seria tão fácil. O hotel escolhido pela internet, Castlereagh, era bom e bem localizado, no centro comercial de Sydney. Dali, pudemos andar a pé por todos os locais turísticos, a torre, a ponte, igrejas, museus, shoppings, sem nenhum problema. O australiano é um povo simpático, bem informal, a cidade é absolutamente segura e linda, uma das mais belas do mundo, pela harmonia entre construções e a natureza. Passamos um domingo na Ópera de Sydney e caminhando pelo Jardim Botânico; depois, assistimos ao campeonato mundial de rugby, quando os australianos perderam para os neozelandeses. Creio que só nós e mais um torcedor isolado torcíamos pelos all backs que venceriam o campeonato, derrotando a França, na partida seguinte. Não sei por que o Brasil não tem uma boa equipe de rugby, visto que é um esporte coletivo, em que os jogadores usam pés e mãos, força e agilidade. Creio ser até mais interessante que o nosso futebol; embora eu não entenda muito as regras do rugby, assisti a duas partidas da fase final e me amarrei nesse esporte, sobretudo ao jogo do time neozelandês, mestiço como os brasileiros e o show de dança maori, no início.

Saímos de Sydney numa segunda-feira para um cruzeiro de duas semanas pela Nova Zelândia e, apesar do mau tempo dos dois primeiros dias, o que nos impediu de fazer a travessia pelos fiordes, chegamos a Dunedin, nossa primeira parada, com o tempo começando a melhorar. Ainda chovia e fazia frio, nessa primeira parada, mas o que não impediu de conhecermos essa bela cidade da ilha do sul, sua charmosa estação ferroviária centenária e o simpático centrinho. Em Aikaroa, já pegamos um tempo excelente, para curtirmos esse pequeno balneário, tipo Búzios, De lá, podia-se ir a Christchurch, para ver os estragos do terremoto do início do ano, mas preferimos ficar por ali mesmo, passeando naquela bucólica cidadezinha. A terceira parada foi em Wellington, a capital do país, cidade muito bonita e com um maravilhoso jardim botânico, onde caminhamos por toda a manhã. A quarta parada foi em Auckland, a maior cidade do país. Lembra Sydney, mas não é tão bonita. Está tomada por orientais. A quinta parada foi em Napier, cidade charmosa, toda reconstruída em estilo art déco, da década de 1930, após ter sido destruída por um terremoto. A sexta parada foi na baía de Tauranga, já bem ao norte do país e a última em Bay of Islands, o lugar onde foi firmado o armistício entre ingleses e maoris, em 1840. A Nova Zelândia é um país lindo, superdesenvolvido, que preserva suas belezas naturais, apesar do progresso que se revela em todas suas construções. É, hoje, um centro de intercâmbios de jovens que vão para lá não só para aprender o idioma, mas também para aprender a conviver, pacificamente, com as diferenças étnicas e culturais. Um belo país que, junto com a Austrália, merece ser visitado mais vezes. Pena que sejam tão distantes para nós.

A caminho da Jordânia

Antes de nos dirigirmos para a Jordânia, voltamos a Damasco e ainda pudemos retornar ao seu grande e milenar mercado, para apreciar uma de suas artes ali realizadas: a da perfumaria. Os perfumistas sírios reproduzem qualquer essência francesa, com uma técnica de longos aprendizados. Só não têm o segredo do fixador, como os franceses, mas o aroma é similar ao dos originais. No dia seguinte, saímos em direção à Jordânia, avistando, bem próximo de Damasco, as colinas de Golan, ainda ocupadas por tropas israelenses, um dos pontos nevrálgicos da guerra entre eles. O dia estava fresco e agradável, mas havia, no ar, a tensão de passar a fronteira.

A saída da Síria nos revelou o grande espetáculo do teatro romano de Bozra, que a guia, Nada, nos apresentou como uma sobremesa de seu país. Segundo ela, tudo o que vimos na Síria, museus, palácios, mesquitas, mosteiros, fortalezas, ruínas de antigas civilizações, equivaleu às várias entradas da tradicional comida síria, apreciada no mundo todo. Aleppo e Palmira foram os pratos principais. O magnífico teatro romano de Bozra, já bem na fronteira com a Jordânia, é o maior e mais bem preservado do mundo, e fechou com chave-de-ouro nossa visita à Síria, esse país de tantas riquezas milenares, mas ainda pouco turístico.

Não fosse o nosso motorista, gordinho e esperto, teria sido maior o suplício de atravessar a fronteira de dois países situados numa região tão belicosa, mas ele, só com gestos, pois só falava árabe, nos indicava o que fazer, resolvendo tudo com muita eficiência e agilidade. Quando nos identificamos como turistas brasileiros, que vínhamos de tão longe para conhecer as maravilhas da Jordânia, sobretudo de Petra, o guarda da fronteira revistou, rápida e parcialmente, as malas, nos desejou as boas-vindas e nos liberou logo, desejando feliz estada em seu país, o reino hashemita da Jordânia. Às vezes, é bom ter passaporte brasileiro.

A partir daí, tudo mudou. País novo, bastante ocidentalizado, cheio de turistas, sobretudo depois da escolha de Petra como umas sete maravilhas do mundo (só perdeu o 1º. lugar para as muralhas da China), também possui muitos lugares interessantes para visitar. O primeiro é Jirash, cidade romana bem conservada, com suas ruas, templos e uma boa infraestrutura para o turista. Amman, a capital, é uma cidade moderna, mas também possui a parte antiga, da herança romana. É uma das cidades mais limpas e seguras do mundo árabe. Com uma alta renda per capita, a moeda jordaniana, o dinar, equivale ao euro, o que torna o país caro para nós. Imperdível passeio é ir ao Mar Morto, cuja água é tão salgada e oleosa que nada vive ali, mas de sua lama e de seus minerais se fazem produtos medicinais e cosméticos de fama mundial. Ao seu redor, os lugares bíblicos: Betânia, onde Cristo foi batizado, Jericó, a cidade mais antiga do mundo, o Monte Nebo, de onde Moisés avistou a Terra Prometida, Madaba, capital do mosaico, desde os tempos bizantinos, e tantos outros. Toda essa terra é santa, nos disse o guia, e não apenas o lado de lá do Jordão. E ele está certo! Para os que acreditam em Cristo, ou na Bíblia, a Jordânia é tão importante para visitar quanto Israel. Mas ainda era longo o caminho até Petra, nosso principal objetivo.

O que vi na África

Animais. Ainda há muitos animais selvagens na África, vivendo em reservas a eles destinadas. A maior delas, na África do Sul, é o Parque Kruger; criado no final do século XIX, possui uma área maior do que a do estado do Sergipe. No entanto, mesmo nas reservas, os animais de grande porte correm perigo de extinção, pois a sanha dos caçadores legais e ilegais é inesgotável. Pagam uma fortuna para matar um leão, um elefante, um búfalo ou um rinoceronte. Este está ainda mais ameaçado, pois a máfia chinesa os caça por causa do seu chifre, valiosíssimo pela crença estúpida no seu poder afrodisíaco. Uma curiosidade: os animais mais perigosos aos seres humanos, por sua agressividade, são o crocodilo, o rinoceronte e o búfalo. São os que mais matam os humanos. Há pouco tempo, um crocodilo devorou um famoso canoísta no rio Limpopo, cena filmada por seu amigo e passada nas tevês mundiais.

Bebidas. Há muito controle no consumo de álcool, devido à tradição puritana dos ingleses. É proibido beber em áreas públicas e não se vende bebida alcoólica após as 13h de sábado. Há mais salões de beleza do que bares nas cidades africanas. Após as seis horas da tarde, o comércio fecha e só alguns restaurantes ficam abertos, até as nove.

Cabelos. Há muito cuidado com os penteados, principalmente pelas mulheres. Essa preocupação que o Neymar tem com o cabelo, dentre outros jovens artistas e jogadores brasileiros, sobretudo os de origem negra, pode ser uma herança africana. Vi fotos antigas, no museu da Namíbia, de belos cabelos adornados, desde o século XIX. Há uma etnia, a dos hereros, cujas mulheres capricham no visual, combinando roupa, sapato e adereço de cabeça, como as baianas do carnaval brasileiro, só que coloridas. Eles têm preferência pelas cores azul (o índigo), o vermelho e o preto. É comum ver, nas ruas de Windhoek, capital da Namíbia, mulheres jovens, elegantemente vestidas de vermelho, com sapatos e bolsas pretos. Ou jovens, com a roupa preta, blazer e sapatos ou tênis de marca vermelhos. Povo muito elegante! No museu de Cape Town, há uma seção dedicada à moda africana. Imperdível!

Dentes. Há algum tempo, tinha ouvido falar, por um antropólogo amigo meu, um fato que confirmei agora. Muitos jovens arrancam os dentes da frente, os incisivos centrais, tão bonitos e fortes na raça negra!, para obter melhor desempenho sexual na prática do sexo oral. Em visita a uma vinícola, observei isso num jovem guia e tive coragem de lhe perguntar. Ele me confirmou essa versão. O guia brasileiro, que mora lá há muitos anos, reconfirmou: é uma prática comum entre os jovens. Tomara essa moda não chegue por aqui! Já temos banguelas de sobra.

Capitais. A África do Sul é o único país do mundo que possui 3 capitais: Pretória (administrativa), Cape Town (legislativa) e Bloemfontein (judiciária). Johanesburg é a maior cidade e centro financeiro, mas não é a capital do país. A Namíbia é um país desértico e divide o Kalahari com Botswana. Há poucas cidades grandes, ficou independente há 20 anos e sua capital, Windhoek, é muito tranquila, limpa e moderna. O país é pouco povoado, tem alta renda per capita e sua moeda, o dólar namibiano, tem o mesmo valor do rand sul-africano. Ambas circulam livremente. É forte a influência alemã e dos pioneiros africâneres, descendentes de holandeses, franceses e ingleses. As distâncias entre as cidades são longas e o país tem os mais belos pores do sol do mundo, que me desculpem os colatinenses.

De Axum a Lalibela, na Etiópia

Pouco sabemos da história da ÁFRICA. Nossa informação é toda eurocêntrica e, tirando o Egito, não se estuda, na escola brasileira, a história dos povos e das etnias africanas que constituem grande parte da formação do povo brasileiro, já que Portugal manteve colônias lá por mais de 400 anos e de lá abastecia o continente americano com mão de obra escrava. Comecei a estudar sobre o reino de Axum, depois que li um livro sobre a rota das especiarias. Lá seria o suposto reino de Prestes João, que os portugueses buscavam no oriente, um reino cristão e que lhes daria suporte em suas conquistas, se encontrado fosse. O reino de Axum existiu por mais de mil anos e foi muito importante, pois controlava do planalto norte da Etiópia, com seus vales, lagos e terras férteis, ao estreito do mar Vermelho, que separava a península arábica da África até as terras do atual Yêmen. As ruínas de palácios, estelas funerárias ainda levantadas, tumbas milenares como as dos faraós podem ser visitadas na atual Axum, pequena cidade próxima à fronteira da Eritreia. Naquela região não se fala o amárico, mas o tigril, língua que se assemelha, foneticamente, ao árabe. Em Axum, há o templo de Santa Maria do Ziom que, segundo a tradição, guarda a arca da Aliança, levada de Jerusalém por Menelik, o filho da rainha de Sabá com Salomão. Vigiada por um único guardião até a morte, o “prisioneiro sagrado”, ninguém a pode ver, só o lugar onde está. À noite, quando a brisa refresca aquela região desértica, a população de Axum sai às ruas, para beber cerveja e comer carne, como aqui. Só que o boi fica morto, dependurado à frente das pessoas, que escolhem a carne de sua preferência, a pesam e assam nos braseiros postos à sua frente. No outro dia, pela manhã, passei pelo local, e vi o que sobrou do boi, sem qualquer refrigeração, para ser comido à noite por outros comensais, ou pelos mesmos. Bom apetite!

De lá, fui pra Lalibela, a última cidade que iria visitar na Etiópia. Lalibela foi a segunda capital, após Axum, é famosa por seus templos construídos nas rochas,sobre altas montanhas, durante a idade Média, em torno do século XII. Era a época das guerras contra os muçulmanos e os reis cristãos etíopes construíram Lalibela como uma cidade sagrada para os cristãos que não mais poderiam visitar Jerusalém, tomada pelos turcos otomanos. Lalibela possui onze igrejas construídas sobre pedras, impressionantes obras de engenharia e de arquitetura, todas decoradas com afrescos, murais e repletas de tesouros acumulados em séculos de existência. Patrimônio da Humanidade, tombada pela UNESCO como uma das maravilhas da humanidade, Lalibela é visitada por turistas europeus, sobretudo alemães, que admiram as obras artísticas ao redor do mundo. Encontrei-os às centenas por lá, eu, o único brasileiro, povo não muito dado a visitas culturais. Estão todos shopeando em Miami ou chopeando nas praias do Nordeste.

O problema é que, na primeira igreja em que entrei, pisei num buraco, oculto sob um tapete e quebrei o pé esquerdo. Ouvi um estalo, senti uma dor muito forte, tive vômito e sensação de desmaio. Nunca havia quebrado nenhum osso antes, mas senti, claramente, que aquela tinha sido a primeira vez. No programa daquele dia, teria de visitar mais cinco igrejas e o fiz, mesmo sob intensa dor. Só após a visita, fui a um hospital público, o único aberto, pois era domingo. Fui bem atendido pelos jovens paramédicos etíopes, mas o obsoleto aparelho de raios-x não detectou a fratura. Só quatro dias depois, chegaria ao Brasil. Imagine a viagem de volta, 22 horas de voo e longas esperas em aeroporto, o pé parecendo uma pata de elefante e uma dor danada. Sobrevivi para contar.