Antártica, reserva natural da humanidade

Acabo de fazer uma viagem incrível ao único continente a que não tinha visitado, a Antártica, ou Antártida, um dos seis continentes que formam o planeta Terra. Prefiro o primeiro nome, por estar em oposição ao Ártico, que visitei no ano passado. Estive num cruzeiro que saiu de Ushuaia, passou pelo terrível canal Drake, onde se encontram as águas dos Oceanos Atlântico e Pacífico e o movimento das placas tectônicas provoca ondas enormes e um mar muito agitado. Nossa primeira paisagem da Antártica, mal avistada, foi  o iceberg A23a, considerado o maior do mundo; depois, passamos pela ilha Elefante e nos dirigimos à Baía do Almirantado, onde passamos toda a manhã.  Ela possui cerca de 8km na costa sudeste da Ilha do Rei George, a cerca de 16 km das ilhas Shetland do Sul. Levantei cedo e fui contemplar o sol nascer. Estava um dia lindo, um frio gostoso de -3°C e uma neve muito fina. Sobre nós, voavam pássaros predadores, os mandriões, e, no mar, avistamos baleias dormindo na superfície, alguns golfinhos e leões-marinhos. Um espetáculo! Nessa baía, se encontram duas estações científicas de pesquisa, a polonesa e a brasileira, a Comandante Ferraz.

   Dali, nos dirigimos à Baía Charlote e à Baía Guilhermina, por entre montanhas de gelo de um lado a outro do caminho e inúmeros icebergs, alguns maiores que os maiores edifícios de nossas cidades. O dia estava esplêndido, um gostoso sol de verão antártico e uma temperatura em torno de 0°C. Pelo caminho, víamos baleias, golfinhos e algumas aves sobrevoando o navio. No entanto, a presença, cada vez maior, de navios de cruzeiro e de barcos de pesca acaba trazendo consigo o maior perigo à vida marinha: a poluição dos plásticos. Por mais cuidado que se tenha, a contaminação de resíduos não biodegradáveis também chegou à Antártica. Pesquisas estão sendo feitas, mostrando como o plástico, apesar das fortes correntes marítimas, também chegou ao continente mais deserto do mundo e afeta todo o ecossistema antártico.

   No dia seguinte, passamos pelo Canal Neumayer e chegamos a Port Lockroy, onde alguns pesquisadores vieram a bordo para vender suvenires. De lá, se pode mandar postais para o resto do mundo, o último lugar do planeta onde se pode fazer isso, mas alguns poucos privilegiados conseguiram comprar selos, no navio, para essa rara experiência. Passamos o resto do dia, contemplando aquela paisagem maravilhosa: de um lado, montanhas de até quatro mil metros de altura, do outro, ilhas, baías, icebergs, toda uma fauna marinha, hoje, preservada. Até meados do século XX, havia uma intensas caça às baleias e isso quase as exterminou. Países como a Noruega e o Japão, que até hoje ainda permitem a  caça a esses animais, disputavam aquela região para exercer essa prática abominável.  No último dia na Antártica, passamos pela Ilha da Decepção, que leva esse nome, pois antigos navegadores acreditavam ali piratas terem escondido ouro, onde há praias repletas de pinguins de várias espécies, focas e leões-marinhos. A ilha é formada por um vulcão, cuja erupção, em 1967, provocou estragos nas estações de pesquisa argentinas, chilenas e britânicas, eternos rivais na disputa pelo controle dessa área. Voltamos pelo famigerado Canal Drake, que fez o navio mexer bastante, diferente da ida, até chegarmos a Stanley, capital das Falklands, ou Malvinas, para os argentinos.

   Apesar de ter condições atmosféricas extremas, como frio intenso e persistente, ventos fortes, tempestades de neve e umidade do ar baixíssima, sendo considerada o maior deserto do mundo, a Antártica é a maior reserva de água doce do Planeta. Possui uma população temporária entre mil pessoas, no inverno, e  quatro mil, no verão, formada, em sua maioria, por pesquisadores que atuam na exploração científica da região. A atividade de pesquisa e a gestão do espaço físico do continente são feitas mediante o Sistema do Tratado da Antártica, criado em 1959 e conta, atualmente, com 56 países signatários. O cumprimento dos acordos previstos no documento e assinados posteriormente é de fundamental importância para a manutenção do continente, também ameaçado por problemas ambientais, como o aquecimento global. É necessário destacar que existem reivindicações territoriais por diferentes países sobre o continente antártico. Embora haja uma divisão informal, essas áreas reclamadas não são oficialmente reconhecidas pela comunidade internacional. A Antártica é, ou deveria ser, pela primeira vez, na história da humanidade, uma terra de todos e, talvez, quando tudo estiver destruído no restante do Planeta, será a última morada dos remanescentes terráqueos.

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