Palmas, capital do Tocantins

A maioria das capitais de estados brasileiros nasceu sem planejamento, daí os grandes problemas de infraestrutura com sua urbanização desenfreada e incapacidade de prover a seus moradores uma qualidade de vida adequada. Mesmo as cidades planejadas como Belo Horizonte, Goiânia e Brasília, hoje são metrópoles com problemas de deslocamento ou de moradia tão comuns como os das outras capitais.  A mais recente cidade planejada para ser a capital de um estado é Palmas, no estado de Tocantins, nascido pela Constituição de 1988, desmembrado de Goiás. Palmas foi fundada em 1989 e seu projeto arquitetônico e urbanístico foi concebido pelos arquitetos Luís Fernando Cruvinel Teixeira e Walfredo Antunes de Oliveira Filho. Como aconteceu com Brasília, a construção da cidade atraiu trabalhadores do interior do estado e de diferentes partes do país, o que provocou o surgimento de bairros periféricos de moradia populares. A partir de janeiro de 1990, Palmas se tornou a capital definitiva do estado de Tocantins, antes ocupada por Miracema do Tocantins.

De 1990 aos dias atuais, Palmas passou de vinte mil a quase trezentos mil habitantes, crescimento surpreendente, maior do que o índice nacional e estadual. Apesar disso, Palmas ainda mantém o título de ser a cidade com o maior índice de qualidade de vida entre os municípios e capitais do norte brasileiro. O nome escolhido para batizar a cidade se deve à grande quantidade de palmeiras na região, dentre as quais se destaca o buriti, e à Comarca de São João da Palma, hoje Paranã, sede do primeiro movimento separatista da região, ainda no início do século XIX. Palmas se localiza bem no centro do estado de Tocantins e é banhada pelo grande rio que dá nome ao estado e que também constitui o principal ponto de lazer, com suas praias, ilhas e passeios em barcos flutuantes. O melhor programa turístico em Palmas, antes ou depois de visitar o Parque Estadual do Jalapão, é ficar às margens do rio Tocantins, contemplando seu majestoso pôr do sol, onde uma imensa bola de fogo se esconde para surgir no outro dia, apreciando os petiscos locais, curtindo a paisagem e uma boa música e se refrescando após um dia calorento. É esse seu principal ponto negativo; o calor infernal! Palmas é, hoje, uma das cidades mais quentes do país, disputando com Cuiabá e Teresina esse título. Por isso, é inimaginável carro ou hotel sem ar condicionado.

A primeira impressão ao se chegar a Palmas é de estranheza, pois ela nada se parece com nossas cidades congestionadas, entupidas de carro e de gente. Com suas ruas largas e inúmeras rotatórias, o trânsito flui com facilidade e nada se vê de aglomeração de pessoas. Palmas não foi pensada para o pedestre. Como as cidades americanas, foi planejada para deslocamento de carro. Até a rodoviária é longe do centro, pois os bairros periféricos é que abrigam as pessoas trabalhadoras. Na Praça dos Girassóis, onde se encontra o Palácio sede do governo estadual, localiza-se o centro geodésico do país. Ali também se ergue um monumento à coluna de Prestes, que por ali passou nos idos de 1930. O primeiro grande shopping da cidade, o Capim Dourado, está próximo à Praia da Graciosa, onde também fica a zona hoteleira e maior quantidade de bares e restaurantes. O povo é simpático e hospitaleiro, essa mistura de branco, preto e índio, que fez o que o Brasil tem de melhor, sobretudo no interior, sua gente.

Jalapão, coração do Brasil

Acabo de chegar do Parque Estadual do Jalapão, situado no Estado de Tocantins, um dos mais novos da federação brasileira, em cuja capital, Palmas, se localiza o centro geodésico do Brasil. O Parque Estadual do Jalapão é uma unidade de conservação da natureza, criado em 2001, com uma área de mais de 158 mil hectares, equivalente ao estado do Sergipe. O nome Jalapão deriva de uma planta chamada jalapa, comum a diversas plantas do gênero Ipomea, geralmente trepadeiras, cujo tubérculo é usado pela medicina popular como purgativo. A vegetação predominante é a do cerrado e a de campos limpos com veredas. Faz parte do imaginário de Guimarães Rosa, o maior prosador brasileiro, criador do épico: “Grande Sertão: Veredas”.

 

Percorri quase mil quilômetros de estradas pelo Jalapão, saindo de Palmas, em direção a Taquaruçu, um distrito da capital, em que se localizam oitenta e três cachoeiras. Só visitei duas, a da Roncadeira e a Escorrega Macaco, onde os amantes do rapel podem exercer essa prática. Pela trilha de 1,5 km que se faz até chegar às cachoeiras, pode-se observar exemplares da fauna nativa, sobretudo araras e macacos. Seguindo viagem, entra-se, formalmente, no parque em Santa Teresa do Tocantins, onde está o portal de entrada, seguindo viagem em direção a Ponte Alta do Tocantins, a cidade mais desenvolvida da região, e onde termina o asfalto. Daí pra frente, é chão e poeira, em estradas cheias de costela, atravessando pontes estreitas, poças d’água, areais, que só permitem passagem de veículos 4×4. Portanto, nada de se aventurar em carros pequenos, não preparados para esse tipo de terreno. O melhor é confiar nos experientes guias das agências locais, sempre simpáticos e solícitos, experientes e prudentes, como o jovem Samuel Marinho que guiou nosso grupo pelas estradas e veredas jalapeiras. Lá se diz que “coração de jalapeiro não bate, trepida”.

Além dos rios e cachoeiras, as características principais do Jalapão são os fervedouros e o capim dourado. Fervedouros são poços com pequenos lagos onde brotam água cristalina do interior da terra, cuja profundidade pode chegar a dezenas de metros, e onde não se afunda, pela pressão da água vinda de baixo para cima. São oásis rodeados de plantas nativas, buritis ou bananeiras e existem cerca de 21 catalogados na região, mas apenas 11 visitáveis. Paga-se cerca de 20 reais para usufruir por 15 minutos dessa maravilha e todos estão localizados em áreas particulares pertencentes aos quilombolas, antigos escravos provenientes da Bahia, detentores também dos direitos de extrair e comercializar produtos artesanais feitos com o capim dourado, famosos em todo país. O capim dourado, nativo na região, é colhido em setembro, na primavera, na mesma época em que florescem os ipês, de variadas cores, espalhados em todo cerrado. Recomendo se visitar o Jalapão nesse mês, no final da estação seca, antes de se iniciar o período das chuvas, em outubro, em que fica muito mais difícil visitar os pontos de interesse.

Não se pode sair do Jalapão sem visitar, também, suas dunas de areia vermelha e apreciar um dos mais lindos pores do sol do mundo, espetáculo que também pode ser vivido na Pedra Furada, local mágico e precioso, talvez tão sagrado quanto o famoso Uluru australiano. Infelizmente, pessoas sem consciência ambiental levam drones para soltar ali, o que irrita as centenas de araras e papagaios que ali fazem seus ninhos e as abelhas com suas colmeias. Deveria ser terminantemente proibido tal prática ali, como já ocorre nas dunas. Também fiquei impressionado com o cânion de Sussuapara, lugar onde os veados nativos, assim chamados pelos índios, bebiam água e, provavelmente, eram mais facilmente abatidos. Infelizmente, nada mais restou deles na natureza, assim como vão sendo exterminados emas, lobos-guarás, cobras e todo tipo de fauna antes soberana na região, hoje paulatinamente mortos com as queimadas comuns nessa época do ano. Aos poucos, mesmo dentro do parque, a mata nativa do cerrado vai sendo destruída para a plantação de capim para os bois ou de eucaliptos, única cultura que produz naquele terreno arenoso. É preciso uma vigilância ambiental maior para combater as queimadas, quase sempre intencionais. Talvez, o melhor seja transformar essa região espetacular como parque nacional, para que sejam preservados com mais eficiência sua flora e fauna, terra, água e ar. O Jalapão é o coração do Brasil, como está registrado no Morro do Sereno, e é preciso que todo brasileiro saiba disso, pois sua riqueza natural pode deixar de existir diante da ambição e da ignorância humanas.