A primeira vez que fui a Cuba foi em janeiro de 1986, num congresso de professores. O país era dependente da URSS e, mais do que as maravilhas que apregoavam ter feito na educação, o que senti mesmo foi a falta de liberdade do povo para dizer o que pensava do regime, a falta de tudo no mercado, exceto livros na principal livraria de Havana, e o medo que a todos contaminava. Um cara de fuinha me acompanhou o tempo todo e até hoje ainda tenho pesadelo com aquele perdigueiro estalinista. Voltei a Cuba, em 1993, a URSS tinha acabado e Cuba estava à beira do caos social e econômico. A válvula de escape foi a liberação do povo e milhares de cubanos escaparam da ilha-prisão, a maioria para os EUA. Nem livros encontrei mais em Havana. “La Moderna Poesía” tinha virado uma loja fantasma, como todas as outras da cidade. O escritor Pedro Juan Gutierrez deixou memoráveis narrativas daqueles tempos de miséria, em sua “trilogia suja de Havana”, em que as pessoas vendem charutos contrabandeados e a si mesmos aos turistas. Quando saímos de lá, eu e minha esposa paramos na Venezuela e foi um alívio encontrar comida, respirar liberdade, voltar à realidade conhecida por nós. A Venezuela era o país mais parecido com o Brasil, de todos os que já tinha visitado, pelo povo, pela cultura em geral, sobretudo a comida, pela miscigenação étnica, pelas diferenças sociais, pela sedução capitalista. Voltei a Cuba, em 1997, com meu filho, a caminho da Jamaica. São dois países muito diferentes, pelos modelos políticos que têm, mas muito parecidos na miséria em que vive o povo. Um, explorado pelo capitalismo, o outro iludido pela ladainha socialista. Há de se encontrar um meio termo e essa terceira via me parece a que alcançaram os países democratas com uma legislação socializante, como a dos escandinavos, sem ditadura de qualquer tipo. A liberdade de opinião, de crença, de ir e vir, devem ser a base de todo regime democrático. O contrário é a ditadura da opinião única, da vontade soberana, da imposição de ideias, da contestação à divergência.
Volto, agora, à Venezuela, e mal consigo entrar no país. A antes bela cidade de Caracas, crescida num vale entre montanhas e que antes só perdia a beleza para as suas mulheres, sempre finalistas nos concursos de “Miss Universo”, tornou-se uma das cidades mais perigosas do mundo, totalmente favelizada, suja, decadente, dominada por marginais e por gente que vive de subsídios do governo, e não trabalha; por isso, rouba, assalta, mata. O país está politicamente dividido, como aqui, e pouco mais da metade da população legitima, nas urnas, a república bolivariana implantada por Chávez, há vinte anos, sustentada por uma intensa propaganda ideológica e uma divisão criada entre os venezuelanos entre “nós”, os que apoiam o governo” e os “outros”, os que são contra. Conversei com venezuelanos da classe média, que me contaram sobre as filas para se conseguir produtos básicos de sobrevivência, como o óleo de cozinha, o feijão, a carne, sobre a desvalorização do bolívar e sobre as milícias criadas pelo governo para se autossustentar. Em todo país, há monumentos dedicados a Chávez, dizeres como “Antes, lacaios do imperialismo; hoje, líderes do Mercosul”, fotos de Chávez com Lula e Dilma e apologias ao regime que implantaram lá. O povo venezuelano está até sem papel higiênico, produto raríssimo no país. Tão raro que o vi numa loja do free shopping de La Gayra. Corríamos o risco de o Brasil virar uma nova Cuba e Venezuela. e de nosso verde e amarelo ser substituído pelo vermelho bolivariano. Parece que, por enquanto, estamos salvos do pesadelo petista. Foi o que mostraram as urnas nas últimas eleições. (As fotos abaixo são de Havana, em 2015)